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sexta-feira, 28 de março de 2008

6. QUASE HUMANO

Johnson Ka acordou muito cedo naquele dia, e ficou na janela apreciando o brilho avermelhado da alvorada. Sua irmã Sarah estava no quarto ouvindo música, um disco de música antiga, provavelmente Beatles ou outro conjunto musical do século XX ou XXI, ele não sabia ao certo. Vestiu seu uniforme militar, limitou-se a dar um gole no copo de leite e saiu para trabalhar. Roubou um chiclete de hortelã da irmã mais nova e saiu pela rua mascando e pensando em sua noiva.

A pequena estrela vermelha que iluminava o Planeta Apache começava a despontar no horizonte como um rubi flamejante, e as altas árvores que formavam a imensa Floresta de Space Cuesta balançavam ao sabor do vento que trazia um forte cheiro de maresia. Um comboio de naves mercantes chegadas de alguma colônia terráquea flutuava a grande altura, com os cascos metálicos brilhando como enormes gemas cor de esmeralda. Johnson trabalhava há dois anos como vigia no Apache Trade Center, o principal conglomerado de câmaras comercias do planeta, em cujos andares subterrâneos funcionava a Bolsa de Valores de Apachepolis.

Apachepolis era a maior cidade do planeta e recebera este nome há cerca de dez anos atrás, quando o planeta foi reconhecido e aceito no Mercado Pan-Solar, deixando de usar o antigo nome de Krtmaiyruff.

Johnson ajeitou seu boné com esmero, e mais uma vez deu uma rápida conferida em sua aparência e vestimenta. Seus patrões eram muito rigorosos, e ele não queria perder este emprego, com o qual sustentava a mãe viúva e sua irmã caçula. Pegou o trem que levava até a Estação Apache Trade Center, e ligou seu minicomputador para saber das últimas notícias. Seu interesse estaca concentrado nos resultados do powerball da noite passada. O Apache Masters havia derrotado os Apache Titans por 35 a 21, e seguia líder do campeonato. Johnson vibrou com a vitória de seu time de coração, e seguiu o resto da viagem com a felicidade estampada no rosto.

Já perfilado em seu posto de vigia, Johnson Ka presenciou a chegada de uma delegação de sacerdotes-empresários. Eles passaram pela porta, fazendo as identificações retinianas de praxe, sem cumprimentar nenhum dos funcionários. Pegaram um elevador privativo, e conversavam em voz tão alta que dava pra ouvi-los até mesmo de longe. Os funcionários apachianos que acompanhavam a delegação não puderam seguir no mesmo elevador.

Os nativos do Planeta Apache — como Johnson Ka — não eram humanos. Johnson possuía quatro olhos miúdos de formato oval, e coloração cinza-aço, compostos por um conjunto de omatídeos compostos. Seu corpo era pequeno se comparado a um humano, não passando de um metro de altura, e sua pele escura era coberta por uma penugem rosada. O Planeta Apache só fora aceito no Mercado Pan-Solar após a certificação de que sua cultura tornara-se idêntica à dos humanos. Tornaram-se “Humanóides”, daí o termo NOID que qualificava os habitantes destes planetas na complexa hierarquia vigente na esfera de influência do Planeta Terra.

Assim que a Agência de Risco da Terra deu o aval para a incorporação daquele planeta, ele foi batizado com o nome de Apache, substituindo o nome original, Kyp, por um dos povos primitivos do mundo natal dos humanos. Os terráqueos sempre explicavam tal gesto em seus almanaques como um sinal de respeito pela sabedoria das antigas tribos, os quais ironicamente haviam sido exterminados por eles mesmos. Outros planetas da Esfera Humanóide tinham nomes expressivos como Maya, Maiori, Zulu, Cherokee, Seminole.

Era justamente de Seminole que acabara de chegar mais um visitante, um soldado da Raça dos BOLD chamado Reagan Mikulsun. Ele trazia o cabelo alisado por uma pasta gelatinosa, e seu uniforme deixava à mostra seus braços musculosos com tatuagens representando cadáveres não-humanos em chamas. Estava ali a contragosto, pois os militares não gostavam de sair de suas bases de operações, estrategicamente instaladas nos diversos mundos NOID. Estas bases eram conhecidas como Guardiães da Paz, pelo apoio que davam aos planetas assistidos. Os soldados só deixavam seus postos para neutralizar inimigos externos ou garantir a ordem interna nestes mundos.

Reagan quis passar direto pela porta, no que foi interpelado por Johnson, que com a máxima gentileza possível, sem olhar nos olhos do BOLD (como mandava a etiqueta), explicou que aquela entrada só podia ser usada pelos membros da delegação empresarial, e que os militares deveriam usar a entrada do lado leste.

Antes que pudesse completar a frase, um tapa derrubou-o como se fosse uma criança de colo. Furioso, o humano, sentiu-se ofendido pela intervenção do extraterrestre, e gritou uma série de palavrões antes de forçar a entrada. A porta, como seria esperado, não abriu.

— Nós passamos a vida inteira salvando estas lombrigas espaciais, e eles nos pagam assim! — gritou Mikulsun, cujo hálito denunciava um teor alcoólico bem elevado.

Johnson tentou se levantar, mas sentiu que seu ombro estava ligeiramente deslocado, e sentia uma dolorosa fissura em seu flanco esquerdo.

O militar devia saber que sua entrada não era permitida, mas os BOLD eram tão doutrinados para uma vida de constante batalha, que seus instintos violentos constantemente nublavam seus cérebros atrofiados. Além disso, a quantidade maciça de drogas estimulantes que se viam compelidos a usar tornava sua capacidade de raciocínio muito prejudicada.

A barulheira atraiu a atenção de outros funcionários. Dois policiais apachianos, autorizados a usar suas armas, sabiam que não podiam dispará-las contra um terrestre, e limitaram-se a pedir que Reagan se acalmasse.

— Senhor, pedimos que compreenda a situação. São normas de conduta ditadas pelos próprios LORD.

“LORD” era o nome como era conhecida a casta de sacerdotes que controlavam as atividades comerciais e financeiras no Mercado Pan-Solar. Para os Humanos, Religião e Comércio caminhavam de mãos dadas. A confusão persistiu, com o enfurecido BOLD tentando agora golpear o policial que ousara desafiá-lo, um apachiano cuja cabeça branca coberta de pêlos arrepiados contrastava com o tom escuro de seu corpo azul.

O tumulto só foi interrompido quando uma humana de pele escura e andar elegante saiu do prédio, seguida por um séqüito de silenciosos auxiliares nativos.

— Soldado, sua entrada não é permitida aqui — disse ela com um tom de voz macio e surpreendentemente baixo. Era a supervisora Leeza Siris, uma LORD muito temida pelos subalternos.

— Dirija-se à entrada leste. — disse ela, olhando fixamente nos olhos de Reagan, que parara de gritar. — Você foi convocado para explicar pessoalmente a operação em N’umya. A Sargento Reina Haag espera por você na sala 1492.

Por mais violento que fosse, Reagan sabia que jamais deveria questionar a autoridade de um LORD: as punições habituais por má conduta eram terríveis demais até mesmo para o mais bravo dos guerreiros.

O soldado abaixou a cabeça e andou rapidamente para o portão indicado. Nenhum pedido de desculpa foi dirigido a Johnson Ka, que continuava prostrado no chão, com a dor estampada no semblante inumano. Leeza limitou-se a ordenar que levassem-no à enfermaria, e pediu que providenciassem um substituto imediato para tal posto. Os policiais afastaram-se em seguida, reprimindo seu sentimento de ódio e repulsa pelo tratamento prepotente que recebiam. Tanto eles como Johnson, ou todos Apachianos de certo modo, sabiam que os Humanóides jamais seriam Humanos.

Para os terráqueos só existiam dois tipos de alienígenas: os amigos e os inimigos.

Aos amigos, presenteavam com a escravização do corpo e da alma.

Aos inimigos, seu único presente era o extermínio total.

Entre o Extermínio e a Escravidão, os habitantes de Kyp, o Planeta Apache, escolheram a última.

QUASE HUMANO
Texto: Simoes Lopes


terça-feira, 25 de março de 2008

5. FUMAÇA COLORIDA

Glo Khan e Thúr Vizi chegaram bem na hora marcada. A pequena nave ovóide deles pousou no imenso espaçoporto de Glumak Tai. Ao longe era possível apreciar a magnífica visão da Cordilheira Verde com o Monte Glumak, o pico mais alto do planeta Glenor.

A delegação de embaixadores glenorianos estava ansiosa pelo contato. O líder consensual do grupo, Baro K’Nadikon, adiantou-se a seus pares, e caminhou com pressa na direção do casal de gurzinianos.

— Vocês são bem vindos em Glenor, representantes de Gurzin! Nós vos saudamos com grande alegria! — entoou Baro a saudação de praxe.

Os outros embaixadores glenorianos conversaram bastante entre si antes de se aproximarem do par de visitantes alienígenas.

Glo Khan coçou as escamas douradas em sua cabeça redonda, e fez a saudação de praxe aos embaixadores de Glenor. Thúr Vizi piscou os grandes olhos esverdeados com pupilas verticais — incomodada com o ar relativamente frio de Glenor — e juntou-se a seu parceiro no cumprimento.

— A situação em nosso setor estelar está muito tensa. O Mercado Pan-Solar está realizando operações em N’umya, e acusa os Aldhoritas de conspirarem contra a paz e fomentarem rebeldia entre os n’umyanos — Glo Khan apressou-se em iniciar o diálogo, preocupado que estava com a situação.

O Embaixador Baro fumava cinco palitos de teb. Estes palitos eram muito populares em Glenor, feitos de uma mistura colorida de resinas aromáticas com a cera extraída de um pequeno invertebrado marinho. Do alto de seus cento e três anos de idade, Baro via a Política Galática como uma infindável teia de mentiras embelezadas por um jargão pomposo. Sabia que os Humanos jamais deixavam de usar a força quando lhes convinha, e que a União Planetária não conseguiria conter os impulsos beligerantes por muito tempo.

O cheiro forte e doce do teb parecia incomodar um pouco o interlocutor de Gurzin, que começou a espirrar, fazendo seus longos apêndices carnudos em forma de bigodes balançar.

— Já fomos informados que uma delegação de aldhoritas renegados foi presa ao pousar em seu planeta natal — informou Baro, com uma expressão que corretamente analisada seria percebida como melancólico. Os Gurzinianos ficaram assustados.

— Estamos aqui em nome de Gurzin declarar nosso apoio incondicional à União Planetária, e solicitar o envio de uma frota de couraçados em nosso apoio. O patrulhamento de nossas colônias está insuficiente para impedir incursões dissimuladas das espaçonaves terranas.

Baro K’Nadikon deu uma tragada tão forte que um dos palitos de teb simplesmente desmanchou-se num clarão de luz colorida. Sabia que os Gurzinianos estavam com medo da presença das belonaves do Mercado Pan-Solar em sua região galática, e tinha convicção de que seria uma questão de tempo mais esse planeta deixar a União Planetária e aderir à Esfera Neutra. A detecção dos Aldhoritas em N’umya havia provocado um verdadeiro turbilhão nos círculos diplomáticos da União. A alegação dos terráqueos era que ao participar de operações clandestinas, Aldhor estava oficialmente retirando-se da Esfera Neutra para aproximar-se da União. No jargão da poderosa Agência de Risco da Terra, os aldhoritas haviam sido rebaixados da categoria WILD, isto é, “selvagem”, dos mundos considerados neutros, para a classe odiada dos VOID, “os vazios”, devendo ser considerados como aliados dissimulados da União Planetária.

Os Humanos deslocaram dois de seus mais modernos couraçados, Peace e Freedom, para as cercanias do sistema planetário de Aldhor, e exigiram a prisão dos “dissidentes”. Sem opção melhor à vista, o governo aldhorita prontamente atendeu as exigências do Mercado Pan-Solar, e os supostos espiões estão presos e incomunicáveis. Mas os terráqueos não se deram por satisfeitos e agora pediram que lhes fossem entregues os cativos.

A União Planetária reiterou pelos canais cabíveis que não tinha nenhum vínculo com Aldhor, e que não estava em seus planos nenhuma ação de confronto. Os embaixadores glenorianos foram escolhidos para conduzir as negociações por serem os mais antigos, e acumularem uma vasta experiência no contato com os humanos. Pelas leis de Glenor, quanto mais velho, mais qualificado era um diplomata, o cargo era vitalício e sem direito a aposentadoria. Em outras palavras, os diplomatas glenorianos dedicavam-se a negociar até morrer. Baro K’Nadikon e sua falecida mãe Jud’ru K’Nadikon, estiveram entre os principais artífices do Tratado de Torka, que definiu os limites entre as esferas de influência dos Planetas Humanos e a União Planetária, garantindo um cinturão de “amortecimento” formado por planetas neutros. Para isso funcionar, a União teve que renunciar às suas posturas pacifistas seculares e reativar sua tecnologia bélica. Só assim foi possível refrear o ímpeto expansionista dos terráqueos, que planejavam esmagar até mesmo os planetas mais antigos da União. Além disso, a União nada pôde fazer para impedir que os mundos já conquistados fossem libertos: a Terra manteve suas possessões de forma integral.

As últimas ações da União haviam sido tomadas às pressas para impedir mais um conflito. A Terra alegava — como sempre — que estava apenas defendendo-se de ameaças externas, e que tinha direito a zelar pela neutralidade dos planetas assim declarados. As diversas espécies alienígenas que compunham a União, que mal passavam do cinqüenta — número irrisório considerando-se as mais de 3.000 que fizeram parte dela nos séculos anteriores à expansão da Humanidade, estavam enviando seus representantes diplomáticos para Glumak Tai, a maior cidade do planeta Glenor, para votarem numa nova deliberação coletiva. Tais assembléias eram normalmente feitas por meio de hipercomunicação, mas o medo de interceptações e espionagem tornaram necessária a volta das grandes reuniões de corpo presente. Uma vez protegidos, os embaixadores poderiam expressar suas opiniões de maneira mais direta. A maioria das delegações chegara com o mesmo pedido: reforçar o contingente militar em seus setores, algo que estava ficando cada vez mais difícil para as sobrecarregadas frotas da União.

À medida que escoltava a delegação gurziniana para os monotrilhos da estação de transporte, Baro olhava para os círculos de fumaça que dançavam ao redor de sua cabeça, formando anéis, ora vermelhos, ora azuis, até acabarem finalmente dispersados pelas rajadas possantes do Vento Oeste que zunia pelo espaçoporto. Assim ele percebia as ações da União: meras nuvens passageiras de fumaça a rodopiar e dançar, funcionando como distração por breves instantes, mas incapazes de resistir à fúria da ventania.

Os ventos sopravam cada vez com mais força.

Ventos que vinham do Planeta Terra.


FUMAÇA COLORIDA
Texto: Simoes Lopes

domingo, 2 de março de 2008

FICHA ALIENÍGENA 1: N'UMYANOS

N’UMYANOS

DADOS ASTRONÔMICOS

Estrela

Tavvar

Tipo

F8 V (anã amarelada)

Sistema

13 planetas, 143 satélites

DADOS GEONÔMICOS

Planeta

N’umya

Tipo
TG 1,014
Atmosfera
Oxidante 1,2

Diâmetro

14 003 km

Gravidade

1,1 gravum

Ano

529 dias

Dia

28 horas

Hidrosfera

62 % água

DADOS BIONÔMICOS

Taxonomia

3156 Crinichelonoides hexadactylus

Pés

2

Mãos

2

Dedos

6

Esqueleto

Endoesqueleto

Olhos

2

Bioquímica

Hidro-carbônica

Sangue

vermelho-níquel


Os n’umyan são baixos e atarracados, de estrutura humanóide. A pele é grossa, com aspecto de couro, e possuem bicos córneo semelhante aos das tartarugas. Seus olhos são alongados, e as pupilas são vermelhas luminescentes. As mãos e os pés possuem seis dedos. Uma crina lanosa se estende ao longo da cabeça até o dorso, de cor esbranquiçada ou acinzentada. Os machos são maiores que as fêmeas.

 
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